O filme “Oppenheimer“, dirigido por Christopher Nolan, conta a história do físico Robert Oppenheimer, o “pai da bomba atômica”. O filme é baseado no livro “American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer”. Oppenheimer era um homem complexo e contraditório. Ele acreditava que a bomba atômica era necessária para impedir a vitória da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, mas também se arrependeu das consequências do seu trabalho.
O filme não detalha a origem do urânio usado para os testes e fabricação da bomba. Neste texto, traremos um pouco desta história e contaremos como dois terços do urânio utilizados no Projeto Manhattan saíram do Congo e foram para. Los Alamos, no Novo México.
A fissão nuclear é um processo que divide um núcleo atômico em dois menores, liberando uma quantidade significativa de energia na forma de radiação ionizante, calor e partículas subatômicas. A descoberta deste processo tornou o urânio um recurso indispensável para o desenvolvimento da bomba atômica. Tanto os Estados Unidos quanto a Alemanha estavam determinados a garantir a maior quantidade possível desse elemento.

Cena do filme Oppenheimer Oppenheimer – Syncopy, Atlas Entertainment
No filme, Oppenheimer utiliza bolinhas de gude para demonstrar a quantidade de urânio e plutônio necessários para uma reação em cadeia. No entanto, o filme não aborda um fato importante: grande parte do óxido de urânio utilizado para enriquecimento do urânio-235 e do plutônio tem suas origens na mina de Shinkolobwe, no Congo.
No período entre 1942 e o final da década de 1950, aproximadamente 20.000 toneladas de urânio da mina Shinkolobwe foram processadas pelos Estados Unidos, para o desenvolvimento de bombas atômicas.
MINA DE SHINKOLOBWE

Província de Catanga -Fonte Google Maps
A mina de Shinkolobwe, localizada na província de Catanga, no Congo Belga (atual República Democrática do Congo), desempenhou um papel crucial no fornecimento de urânio para o Projeto Manhattan, o programa de pesquisa e desenvolvimento das bombas atômicas dos Estados Unidos.

Mina Shinkolobwe – Fonte: correodelalba
A mina foi descoberta em 1915. Na época, o urânio tinha poucas aplicações conhecidas. No entanto, a empresa belga Union Minière recrutou mão-de-obra nativa e explorou a região em busca de rádio, pois na época já era conhecido que o elemento rádio poderia ser encontrado em minérios de urânio. A mineração da região durou aproximadamente 20 anos, até que o mercado de rádio diminuiu.
No final da década de 1930, a Union Minière tomou conhecimento dos experimentos em reações em cadeia de urânio. Após isso, a empresa começou a fazer uma investigação nos barris de urânio excedentes da mina de Shinkolobwe.
Em um acordo com a Union Minière, os EUA garantiram o fornecimento de 1.200 toneladas de urânio da Mina de Shinkolobwe. O urânio foi armazenado em Staten Island, distrito de Nova Iorque. No entanto, isso não foi suficiente para atender às necessidades dos Estados Unidos, fazendo com que engenheiros do exército dos EUA fossem enviados para trazer a mina de volta à produção.
EXTRAÇÃO E TRANSPORTE
A extração de urânio, no Congo Belga, era realizada de forma manual e precária. A mina ficava em uma área com terreno acidentado e com uma grande quantidade de poeira radioativa. Os trabalhadores eram obrigados a usar apenas roupas leves, o que os expunha à radiação. Além disso, eles eram frequentemente expostos a explosões e diversos outros riscos.
A extração e transporte do urânio foi mantido em segredo absoluto, tanto que muitos dos agentes envolvidos no transporte pensavam que estavam traficando diamantes. Só alguns poucos conheciam o verdadeiro objetivo da missão, mas desconheciam seu propósito final. Após a extração, o mineral era transportado por uma estrada de ferro até Port Frankie, um porto no rio Kasai. De lá, era embarcado e levado até Leopoldville, capital do Congo Belga. Em Leopoldville, o urânio era transferido para trens que o levavam até o porto de Matadi, no rio Congo. Após isso, o urânio era enviado por aviões da Pan American ou por navios para um armazém na costa norte de Staten Island, perto da ponte Bayona, em Nova Iorque.
A partir de 1942, o urânio foi retirado do armazém para seu refinamento e uso na fabricação de bombas atômicas. Embora o armazém tenha sido destruído em meados da década de 1940, o local continuou sendo radioativo devido ao derramamento de mineral de urânio bruto.
FIM DA 2° GUERRA MUNDIAL
Após o término da Segunda Guerra Mundial, a província de Catanga, manteve sua importância como uma valiosa fonte de urânio para os Estados Unidos e o Reino Unido. Essa continuidade do fornecimento de urânio desempenhou um papel fundamental na Guerra Fria.

Garimpeiros de urânio no Congo Foto: SAMIR TOUNSI / AFP
Atualmente, Shinkolobwe é uma área restrita, com a extração e exportação de urânio proibidas por meio de um decreto presidencial emitido em 2004. No entanto, a área nunca recebeu avaliações adequadas ou medidas de limpeza, e a mina não foi devidamente selada. Os impactos prejudiciais à saúde da comunidade local nunca foram completamente investigados, e garimpeiros ilegais continuaram a escavar clandestinamente em busca de cobre ou cobalto nas proximidades.
Apesar do papel crucial que a mina de Shinkolobwe desempenhou no fornecimento de urânio para o Projeto Manhattan, a história envolvendo o Congo permaneceu em grande parte esquecida na narrativa dos eventos pós-guerra. A história de Shinkolobwe e a exploração dos recursos naturais do Congo servem como um lembrete das questões éticas e morais associadas à exploração de recursos em períodos de guerra, e também do impacto que esses eventos podem ter nas comunidades locais.
FONTES:
The forgotten mine that built the atomic bomb” – BBC Future. Disponível em: https://www.bbc.com/future/article/20200803-the-forgotten-mine-that-built-the-atomic-bomb.
“The Legacy of the Involvement of the Democratic Republic of the Congo in the Bombs Dropped on Hiroshima and Nagasaki” – MIT Technology Review. Disponível em: https://fnl.mit.edu/january-february-2021/the-legacy-of-the-involvement-of-the-democratic-republic-of-the-congo-in-the-bombs-dropped-on-hiroshima-and-nagasaki/.
“Urânio-235: Como os EUA saquearam minas do Congo para produzir bomba atômica” – Opera Mundi. Disponível em: https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/cultura/82516/uranio-235-como-eua-saquearam-minas-do-congo-para-produzir-bomba-atomica.
“Secret DRC mine helped end World War II and inspire Wakanda” – Mail & Guardian. Disponível em: https://mg.co.za/africa/2023-03-26-secret-drc-mine-helped-end-world-war-ii-and-inspire-wakanda/.
“Uranium Mines – Manhattan Project History” – Departamento de Energia dos Estados Unidos. Disponível em: https://www.osti.gov/opennet/manhattan-project-history/Places/Other/uranium-mines.html#:~:text=The%20Shinkolobwe%20mine%20in%20the%20Katanga%20province%20of%20the%20Belgian,the%20start%20of%20the%20war.
“Urânio: Geologia, Exploração e Aplicações” – Saga Consultoria. Disponível em: https://sagaconsultoria.com/uranio-geologia-exploracao-e-aplicacoes/.